Esta atividade de Língua Portuguesa tem como base o DC/GO – Ampliado e está destinada a estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental.
O gênero memória literária é um texto narrativo em que o autor resgata suas memórias e as compartilha, transmitindo valores de uma dada cultura. Esse gênero textual tem um papel muito importante na preservação da história de um povo.
Por meio da escrita e da narração de histórias, a memória literária permite que as pessoas compartilhem suas experiências e reflexões sobre eventos passados, possibilitando que as gerações futuras conheçam e compreendam o passado de uma maneira mais profunda.
Veja um trecho de uma memória literária:
Acordei todo animado para ir à escola. Tomei o café da manhã e saí correndo deixando minha mãe a se preparar para ir ao rio lavar roupa. Aquele desespero para ir à escola tinha uma motivação: brincar. A cada estação, uma brincadeira tomava conta de todos os estudantes. Teve a época de Salve Latinha, Salve Bandeira, Pique-esconde, Toda, Queimada e tantas outras. Naqueles dias, a brincadeira da vez era Polícia e Ladrão. Já tínhamos até nossas panelinhas e parcerias formadas. Nosso recreio era devotado à diversão. Nas sextas-feiras, era melhor ainda: tínhamos a metade da manhã para brincarmos na aula de Educação Física.
Como era bom ir à escola! E não era só pelo brincar, mas por todo o prazer de descobrir um novo, que sequer imaginávamos existir fora dali. Tão simples, tão precária, mas tão querida e saudosa. Quantas memórias são criadas no chão de uma escola rural.
[…]
Hoje, qualquer registro no muro da escola está coberto pelo mato. Resta a saudosa construção, com as grades fechadas e uma ou outra janela quebrada. E mato. Muito mato.
SANTOS, Marlon. Polícia e Ladrão. In: Das flores ao esquecimento. 2ª ed. Goiânia: Kelps, 2023, p. 39-42.
Uma memória literária mistura elementos de memória (fatos vividos por alguém) com características da linguagem literária (criatividade, sensibilidade, uso de adjetivações e de figuras de linguagem, como metáfora, comparação e sinestesia).
Nesse tipo de texto, o autor conta uma história real de sua vida, mas o faz de uma maneira artística e expressiva, tornando a narrativa mais interessante e envolvente.
Além de ser frequentemente narrado em primeira pessoa, esse gênero utiliza muitos verbos no tempo passado para se referir às ações das personagens. No entanto, o narrador faz reflexões no tempo presente sobre os acontecimentos narrados no passado. Também, o texto memorialístico conta com variadas expressões adverbiais e com uma seleção vocabular ampla para apresentar ao leitor uma mistura de sensações.
A estrutura da memória literária varia, mas geralmente inclui elementos básicos na introdução, no desenvolvimento e na conclusão. A introdução estabelece o contexto histórico e social em que a narrativa se desenrola, apresentando o autor e a época em que os eventos ocorreram. O desenvolvimento é onde os detalhes do enredo são explorados, com descrições vívidas e diálogos que ajudam a recriar os acontecimentos passados. A conclusão pode refletir sobre o significado mais amplo da memória e seu impacto na identidade, sociedade ou cultura.
Uma das características mais interessantes desse gênero é a perspectiva única de cada autor baseada em suas experiências pessoais, sua posição social e histórica. Ao ler várias memórias literárias, os leitores são expostos a diferentes pontos de vista, o que enriquece sua compreensão da diversidade humana e ajuda a construir empatia.
Assista à videoaula do professor Marlon Santos com essa temática.
Leia o texto a seguir para responder às questões.
Capítulo 4
TRÊS DIAS DEPOIS DA tragédia levaram-me para o engenho do meu avô materno. Eu ia ficar ali morando com ele. Um mundo novo se abrira para mim. Lembro-me da viagem de trem e de uns homens que iam conosco no mesmo carro. O tio Juca, que me fora buscar, contava a história, afirmando que o meu pai estava doido. Todos olhavam para mim com um grande pesar.
— Eu avalio como não está o coronel Cazuza — dizia um deles. — Naquela idade, a sofrer destas coisas!
Compreendi que falavam do meu avô.
— Um homem de bem como ele, e tão infeliz com a família!
O meu tio Juca ficava calado. E a conversa mudava para o inverno, que corria bem, para os partidos de cana. E depois, para a política.
O trem era para mim uma novidade. Eu ficava na janelinha do vagão a olhar os matos correndo, os postes do telégrafo, e os fios baixando e subindo. Quando chegava numa estação, ainda mais se aguçava a minha curiosidade. Passavam meninos com roletes de cana e bolos de goma, e uma gente apressada a dar e a receber recados. E uma porção de pobres a receber esmolas. Uma mulher chegou-se para mim, e toda cheia de brandura:
— Que menino bonitinho! Onde está a sua mãe, meu filho?
Tive medo da velha. E a saudade de minha mãe me fez chorar. A pobre saiu espantada, dizendo para os outros que eu a tinha estranhado. O meu tio levou-me para beber qualquer coisa. E a viagem continuou a me divertir como dantes.
— Agora vamos saltar — disse-me ele.
E na primeira parada deixamos o trem, com grande saudade para mim. Na estação estava um pretinho com um cavalo, trazendo umas esporas, um rebenque e um pano branco. O meu tio estendeu o pano branco na anca do animal, montou, e o pretinho me sacudiu para a garupa. Era o meu primeiro ensaio de equitação.
— O engenho fica ali perto.
Eu ia reparando em tudo, achando tudo novo e bonito. A estação ficava perto de um açude coberto de uma camada espessa de verdura. Os matos estavam todos verdes, e o caminho cheio de lama e de poças d’água. Pela estrada estreita por onde nós íamos, de vez em quando atravessava boi. O meu tio me dizia que tudo aquilo era do meu avô. E com pouco mais avistava-se uma casa branca e um bueiro grande.
— É ali o engenho, mas nós temos que andar um bocado.
A minha mãe sempre me falava do engenho como de um recanto do céu. E uma negra, que ela trouxera para criada, contava tantas histórias de lá, das moagens, dos banhos de rio, das frutas e dos brinquedos, que me acostumei a imaginar o engenho como qualquer coisa de um conto de fadas, de um reino fabuloso.
Quando cheguei, com o meu tio Juca, no pátio da casa-grande, o alpendre estava cheio de gente. Desapeamos, e uma moça muito parecida com a minha mãe foi logo me abraçando e me beijando. Sentado em uma cadeira, perto de um banco, estava um velho a quem me levaram para receber a bênção. Era o meu avô.
Uma porção de moleques me olhavam admirados. E andei de mão em mão, olhado e examinado da cabeça aos pés. Levaram-me para a cozinha. As negras queriam ver o filho de d. Clarisse. Foi uma festa na casa.
— Vai mostrar o menino à tia Galdina!
E me conduziram para um quarto na dependência da casa-grande. Era uma camarinha escura, com cheiro de coisa abafada. Lá dentro estava uma negra velha deitada.
— Tia Galdina, olhe aqui o menino de d. Clarisse. Chegou com doutor Juca, de Recife.
A velha me chamou para perto da cama, me olhou de pertinho como um míope que quisesse ler com atenção, e caiu num choro agoniado.
— É a cara da mãe, meu Deus!
Saí chorando do quarto da velha. A moça que se parecia com a minha mãe, e que era a sua irmã mais nova, me levou para mudar a roupa.
— Agora vou ser a sua mãe. Você vai gostar de mim. Vamos, não chore. Seja homem.
E me abraçou, e me beijou, com uma ternura que me fez lembrar os beijos e os abraços de minha mãe. Da minha maleta tirou um pijama e me vestiu, me penteou os cabelos assanhados.
— Vá brincar com os moleques no copiá.
Os moleques estavam me esperando mas não se aproximavam de mim. Desconfiados, eles olhavam para o meu pijama, para os meus alamares, encantados, talvez, com a minha pompa. Porém aos poucos foram se chegando, que pela tarde já estavam de intimidade. E fomos à horta para tirar goiabas e jambos. O que chamavam de horta era um grande pomar. Muito de minha infância eu iria viver por ali, por debaixo daquelas laranjeiras e jaqueiras gordonas.
REGO, José Lins do. Menino de engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012, p. 29-31.
QUESTÃO 1
Depois da tragédia, o narrador foi levado para
(A) a cidade grande.
(B) o engenho do avô materno.
(C) a casa da avó paterna.
(D) uma fazenda vizinha.
QUESTÃO 2
O narrador descreveu a viagem de trem como
(A) entediante e cansativa, já que não tinha nada para fazer.
(B) assustadora e perigosa, já que o trem corria numa imensa velocidade.
(C) uma novidade, aproveitando para observar os arredores pela janela.
(D) uma experiência monótona, já que andar de trem não provocava emoções.
QUESTÃO 3
Por que o narrador chorou durante a viagem de trem?
QUESTÃO 4
Como foi a recepção do narrador ao chegar no engenho?
QUESTÃO 5
Quais características de uma memória literária podem ser encontradas no fragmento do livro “Menino de engenho”, de José Lins do Rego?
QUESTÃO 6
Reflita sobre um momento marcante de sua infância e, a partir das características do gênero textual memória literária, produza um texto memorialístico para compartilhar com a classe.
Autoria: | Marlon Santos |
Formação: | Letras – Português |
Componente curricular: | Língua Portuguesa |
Habilidades estruturantes: | (EF69LP51-A) Engajar-se ativamente nos processos de planejamento, textualização, revisão/edição e reescrita, tendo em vista as restrições temáticas, composicionais e estilísticas dos textos pretendidos e as configurações da situação de produção – o leitor pretendido, o suporte, o contexto de circulação do texto, as finalidades etc. (EF69LP51-B) Considerar a imaginação, a estesia (percepção de sensações) e a verossimilhança próprias ao texto literário. |
Referências: | Documento Curricular para Goiás (DC-GO). Goiânia/GO: CONSED/ UNDIME Goiás, 2018. Disponível em: <https://cee.go.gov.br> Acesso em: 01, set. 2023 GOIÂNIA. Secretaria Municipal de Educação. Aprender Sempre. 6° ao 9º ano – Ensino Fundamental; Língua Portuguesa; 1° Bimestre; Goiânia, 2024. |