Esta atividade de Língua Portuguesa tem como base o DC/GO – Ampliado e está destinada a estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental.
Literatura de denúncia
Sabe quando você lê um livro literário e se depara como uma personagem vivendo em uma situação precária, enfrentando dificuldades e, ao invés de conseguir algum auxílio ou encontrar um final feliz, só vê sua situação ficando mais difícil? Como você se sente ao ler um texto como esse? Será que, ao demonstrar situações de injustiça social, a obra literária quer expressar algo além de uma leitura por lazer? Você já ouviu falar da literatura de denúncia?
A literatura de denúncia é um tipo de texto literário que tem como objetivo mostrar as injustiças sociais que acontecem na sociedade. Ao invés de apenas contar uma história, esse tipo de literatura critica problemas como a pobreza, a desigualdade, a violência, o racismo e a exploração das pessoas.
Essa literatura não é neutra. Nela, o autor escolhe tomar partido de uma situação ou perspectiva, colocando-se ao lado dos mais fracos, dos pobres, das crianças abandonadas ou dos trabalhadores explorados. Ela nos faz refletir e sentir indignação diante das realidades injustas que muitos enfrentam no dia a dia.
Há muitos autores brasileiros que fazem denúncias sociais em seus textos como Jorge Amado, Graciliano Ramos e Carolina Maria de Jesus. Por meio de suas obras, eles ajudam os leitores a enxergar o mundo de forma mais crítica e humana.
Jorge Amado, por exemplo, em sua obra “Capitães da Areia”, trata de menores abandonados que vivem pelas ruas de Salvador e dormem em um trapiche na beira da praia. Na obra, o autor denuncia a desigualdade social e a ausência de políticas públicas para proteger essas crianças. Ele faz isso sem apontar culpados diretamente, mas provocando empatia e reflexão no leitor.
Assista à videoaula do professor Marlon Santos com essa temática.
Responda às questões a seguir.
Leia, a seguir, um trecho da obra “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, para responder às questões.
As luzes do carrossel
[…]
– É uma beleza – disse Pedro Bala olhando o velho carrossel armado. E João Grande abria os olhos para ver melhor. Penduradas estavam as lâmpadas azuis, verdes, amarelas, roxas, vermelhas.
É velho e desbotado o carrossel de Nhozinho França. Mas tem a sua beleza. Talvez esteja nas lâmpadas, ou na música da pianola (velhas valsas de perdido tempo), ou talvez nos ginetes de pau. Entre eles tem um pato que é para sentar dentro os mais pequenos. Tem a sua beleza, sim, porque a opinião unânime dos Capitães da Areia é que ele é maravilhoso. Que importa que seja velho, roto e de cores apagadas se agrada às crianças?
Foi uma surpresa quase incrível quando naquela noite o Sem-Pernas chegou ao trapiche dizendo que ele e Volta Seca iam trabalhar uns dias num carrossel. Muitos não acreditaram, pensaram que fosse mais uma pilhéria do Sem-Pernas. Então iam perguntar a Volta Seca, que, como sempre, estava metido no seu canto sem falar, examinando um revólver que furtara numa casa de armas. Volta Seca fazia que sim com a cabeça e por vezes dizia:
– Lampião já rodou nele, Lampião é meu padrim…
O Sem-Pernas convidou a todos para irem ver o carrossel na outra noite, quando o acabariam de armar. E saiu para encontrar Nhozinho França. Naquele momento todos os pequenos corações que pulsavam no trapiche invejaram a suprema felicidade do Sem-Pernas. Até mesmo Pirulito, que tinha quadros de santos na sua parede, até mesmo João Grande, que nessa noite iria com o Querido-de-Deus ao candomblé de Procópio, no Matatu, até mesmo o Professor, que lia livros, e quem sabe se também Pedro Bala, que nunca tivera inveja de nenhum porque era o chefe de todos? Todos o invejaram, sim. Como invejaram Volta Seca, que no seu canto, o cabelo mestiço e ralo despenteado, os olhos apertados e a boca rasgada naquele rictus de raiva, apontava o revólver ora para um dos meninos, ora para um rato que passava, ora para as estrelas, que eram muitas no céu.
Na outra noite foram todos com o Sem-Pernas e Volta Seca (estes tinham passado o dia fora, ajudando Nhozinho a armar o carrossel) ver o carrossel armado. E estavam parados diante dele, extasiados de beleza, as bocas abertas de admiração. O Sem-Pernas mostrava tudo. Volta Seca levava um por um para mostrar o cavalo que tinha sido cavalgado por seu padrinho Virgulino Ferreira Lampião. Eram quase cem crianças olhando o velho carrossel de Nhozinho França, que a estas horas estava encornado num pifão tremendo na Porta do Mar.
O Sem-Pernas mostrou a máquina (um pequeno motor que falhava muito) com um orgulho de proprietário. Volta Seca não se desprendia do cavalo onde rodara Lampião. O Sem-Pernas estava muito cuidadoso do carrossel e não deixava que eles o tocassem, que bulissem em nada.
Foi quando o Professor perguntou:
– Tu já sabe mover com as máquinas?
– Amanhã é que vou saber… – disse o Sem-Pernas com um certo desgosto. – Amanhã seu Nhozinho vai me ensinar.
– Então amanhã, quando acabar a função, tu pode botar ele pra rodar só com a gente. Tu bota as coisas pra andar, a gente se aboleta.
Pedro Bala apoiou a ideia com entusiasmo. Os outros esperavam a resposta do Sem-Pernas ansiosos. O Sem-Pernas disse que sim, e então muitos bateram palmas, outros gritaram. Foi quando Volta Seca deixou o cavalo onde montara Lampião e veio para eles:
– Quer ver uma coisa bonita?
Todos queriam. O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saía do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha pela rua, vendo a aglomeração de meninos na praça, veio para o lado deles. E ficou também parado, escutando a velha música. Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que Yemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia. Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música. Volta Seca não pensava com certeza em Lampião neste momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O Sem-Pernas em se jogar no mar, onde os sonhos são todos belos. Porque a música saía do bojo do velho carrossel só para eles e para o operário que parara. E era uma valsa velha e triste, já esquecida por todos os homens da cidade.
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 66-68.
QUESTÃO 1
O personagem Sem-Pernas mostra-se animado com a possibilidade de trabalhar no carrossel. Isso indica
(A) o desejo de fugir da cidade.
(B) a busca por aceitação e valorização.
(C) a intenção de enganar os amigos.
(D) o medo de perder seu lugar no grupo.
QUESTÃO 2
O sentimento dos meninos ao verem o carrossel armado era de
(A) medo, culpa e curiosidade.
(B) desconfiança e indiferença.
(C) encantamento e admiração.
(D) tristeza, medo e frustração.
QUESTÃO 3
A presença do operário, no final do trecho, ouvindo a música junto com os meninos, simboliza
(A) um possível perigo para o grupo de crianças.
(B) a indiferença da classe trabalhadora de Salvador.
(C) a união entre os marginalizados pela sociedade.
(D) a vigilância constante dos adultos trabalhadores.
QUESTÃO 4
O trecho “Todos estavam silenciosos. […] E era uma valsa velha e triste, já esquecida por todos os homens da cidade” sugere que
(A) os meninos estavam cansados da música e do carrossel.
(B) a cidade valorizava muito as crianças que viviam no trapiche.
(C) os meninos se sentiram respeitados por toda a sociedade.
(D) a música era um momento de beleza em meio ao abandono.
QUESTÃO 5
O carrossel, no contexto do capítulo, representa um
(A) objeto inútil em uma cidade cheia de problemas sociais.
(B) símbolo de nostalgia apenas para os adultos pagantes.
(C) lugar de consumo e ostentação para as pessoas ricas.
(D) espaço simbólico de sonho e infância para os meninos.
QUESTÃO 6
Ao relatar a emoção dos Capitães da Areia diante da música, Jorge Amado denuncia
(A) a rejeição da cultura nordestina pelas demais culturas.
(B) o desprezo da sociedade pelas crianças pobres.
(C) a falta de educação formal dos Capitães da Areia.
(D) o desinteresse dos meninos pela infância e diversão.
QUESTÃO 7
Por que o capítulo “As luzes do carrossel” pode ser considerado um exemplo de literatura de denúncia?
QUESTÃO 8
Na sua opinião, por que Jorge Amado escolheu um carrossel — um brinquedo infantil — como símbolo neste capítulo?
QUESTÃO 9
Você acha que um texto como esse pode ajudar os leitores a refletirem sobre a realidade social das crianças e adolescentes pobres? Justifique sua resposta com base na leitura.
Autoria: | Marlon Santos |
Formação: | Letras – Português |
Componente curricular: | Língua Portuguesa |
Conteúdo(s)/Objeto(s) de conhecimento | Valores sociais, culturais e humanos em textos literários. |
Habilidade estruturante: | (EF69LP44-B) Reconhecer, em textos literários, formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades, sociedades e culturas, considerando a autoria e o contexto social e histórico de sua produção. |
Descritores: | D4 – Inferir uma informação implícita em um texto. |
Referências: | Documento Curricular para Goiás (DC-GO). Goiânia/GO: CONSED/ UNDIME Goiás, 2018. Disponível em: <https://cee.go.gov.br> Acesso em: 03, fev. 2025 AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. |