Esta atividade de Língua Portuguesa tem como base o DC/GO – Ampliado e está destinada a estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental.
Carolina Maria de Jesus nasceu em Sacramento – MG, em meados de 1914, e faleceu em São Paulo – SP, em 1 de fevereiro de 1977. Ela ficou conhecida dentro e fora do Brasil como a escritora do livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, publicado em 1960, destacando sua trajetória de vida singular e a pobreza e a exclusão social vividas nas periferias brasileiras. A obra alcançou tamanho êxito que chegou a ser traduzida para 13 línguas.
O que fez de “Quarto de despejo: diário de uma favelada” uma obra tão conhecida?
Carolina Maria de Jesus enfrentou inúmeras dificuldades desde muito jovem, em um Brasil onde a discriminação racial e as desigualdades sociais eram ainda mais intensas. Ela mudou-se para São Paulo nos anos 1930 e foi morar na favela do Canindé, onde, como catadora de papel, sustentava a si mesma e seus filhos – Vera Eunice, João José e José Carlos.
Carolina escrevia diários sobre o cotidiano da favela do Canindé. Escrever sobre a vida na favela em si, não foi uma novidade, no entanto, a escrita realizada por alguém que vivia e conhecia verdadeiramente os problemas enfrentados pelas pessoas que viviam na zona marginal da sociedade conferiu um caráter único para sua obra. Ela teve pouco acesso à educação formal, chegando a cursar apenas até o segundo ano do Ensino Fundamental, mas aprendeu a ler e escrever, habilidades que viriam a ser ferramentas fundamentais para a expressão de sua realidade e de sua indignação.
Mesmo com as dificuldades relacionadas ao domínio da gramática da língua, a autora escrevia nos cadernos que encontrava no lixo sobre seu dia a dia, sua luta pela sobrevivência, a fome, a violência, o preconceito, suas denúncias de cunho social e político, enfim, a amarga realidade dos favelados de Canindé da década de 1950. Em um de seus depoimentos, indagada sobre sua relação com a escrita, Carolina disse que quando não tinha nada o que comer, em vez de xingar, escrevia. Apesar da rotina árdua, nunca abandonou o hábito de escrever.
Em 1958, o jornalista Audálio Dantas descobriu Carolina enquanto ela registrava um tumulto em sua comunidade. Impressionado com seu talento e com a força de suas palavras, Dantas ajudou a organizar seus escritos no livro “Quarto de Despejo”. Sua narrativa de resistência e denúncia colocou em evidência as condições de vida da população marginalizada, dando voz às classes mais oprimidas do país. O livro foi um sucesso de vendas, mas, apesar da popularidade inicial, Carolina continuou a enfrentar dificuldades financeiras e morreu em 1977, em condições modestas.
Leia, a seguir, um trecho da obra.
15 de julho de 1955
Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos generos alimenticios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar.
Eu não tinha um tostão para comprar pão. Então eu lavei 3 litros e troquei com o Arnaldo. Ele ficou com os litros e deu-me pão. Fui receber o dinheiro do papel. Recebi 65 cruzeiros. Comprei 20 de carne. 1 quilo de toucinho e 1 quilo de açucar e seis cruzeiros de queijo. E o dinheiro acabou-se.
Passei o dia indisposta. Percebi que estava resfriada. A noite o peito doia-me. Comecei tussir. Resolvi não sair a noite para catar papel. Procurei meu filho João José. Ele estava na rua Felisberto de Carvalho, perto do mercadinho. O onibus atirou um garoto na calçada e a turba afluiu-se. Ele estava no nucleo. Dei-lhe uns tapas e em cinco minutos ele chegou em casa.
Ablui as crianças, aleitei-as e ablui-me e aleitei-me. Esperei até as 11 horas, um certo alguem. Ele não veio. Tomei um melhoral e deitei-me novamente. Quando despertei o astro rei deslisava no espaço. A minha filha Vera Eunice dizia: – Vai buscar agua mamãe!
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10 ed. São Paulo: Ática, 2014, p. 11.
Contribuições de Carolina Maria de Jesus para a Literatura Marginal
Literatura Marginal é um movimento literário que ganhou força no Brasil a partir da década de 1970 e é caracterizado pela produção de textos que representam a realidade social e cultural das periferias, das favelas e dos grupos marginalizados. Essa vertente da literatura é produzida, geralmente, por autores que vivem ou viveram em condições de pobreza e exclusão social, trazendo suas vivências, perspectivas e desafios para dentro das páginas de suas obras.
A Literatura Marginal busca dar visibilidade à voz e à identidade de grupos frequentemente excluídos dos espaços tradicionais de produção e consumo literário. O termo “marginal” frequentemente carrega uma conotação negativa, sendo associado a comportamentos fora da lei ou à exclusão social. No entanto, quando analisado de forma mais profunda, “marginal” pode ser entendido como aquilo que se situa à margem, ou seja, aquilo que não se encaixa nos padrões dominantes ou estabelecidos pela sociedade. Na literatura, essa ideia de margem se traduz como um espaço de resistência, onde vozes não ouvidas encontram expressão.
A Literatura Marginal tem como principal característica a representação realista e crítica da desigualdade social, do preconceito, da violência e do racismo, temas que são uma constante nas periferias e favelas. O tom é muitas vezes de denúncia, expondo o contraste entre as classes sociais e revelando a resistência das comunidades diante das dificuldades impostas pela sociedade.
Outro traço distintivo é o uso de uma linguagem acessível e direta, que muitas vezes incorpora expressões da oralidade e do cotidiano das periferias, como gírias e dialetos regionais. Essa linguagem aproxima o leitor do contexto vivido pelos autores e proporciona uma narrativa mais autêntica.
Carolina Maria de Jesus é considerada uma pioneira da Literatura Marginal no Brasil. Em um período em que a literatura era dominada por autores de classe média e alta, sua obra trouxe uma nova perspectiva, vinda de alguém que viveu e sentiu na pele a realidade que descrevia. Seu trabalho abriu as portas para a valorização da expressão literária das classes populares e ganhou mais visibilidade nas décadas seguintes, inspirando escritores periféricos e autores de favelas a narrar suas próprias histórias.
Além de “Quarto de Despejo”, Carolina escreveu outros livros, como “Casa de Alvenaria” e “Diário de Bitita”, nos quais continuou a retratar as dificuldades enfrentadas pelas comunidades marginalizadas e a questionar o racismo estrutural. Ela foi uma das primeiras a fazer da literatura uma ferramenta de denúncia social e de resistência, trazendo à tona a experiência de ser mulher, negra e pobre em um país desigual, no tempo em que o Brasil ainda negava a existência do racismo. Assim, a escritora contribuiu para a conscientização racial e para o fortalecimento da identidade negra.
Nos anos 2000, com o avanço dos estudos afro-brasileiros e do movimento negro, a obra de Carolina foi redescoberta e passou a ocupar um lugar de destaque nas discussões sobre literatura negra e marginal. Hoje, Carolina Maria de Jesus é celebrada como uma das grandes vozes da literatura brasileira e como um símbolo de resistência negra, inspirando não só a literatura, mas também o ativismo negro e a luta por igualdade social.
Responda às questões a seguir:
QUESTÃO 1
São características da Literatura Marginal
(A) a representação realista e crítica da realidade e o uso de linguagem acessível e direta.
(B) a representação idealizada e simples da realidade e o uso de linguagem rebuscada.
(C) o uso de linguagem poética e densa, representando a realidade de forma leve e bela.
(D) as narrativas em forma de diário, que unem o mundo idealizado ao prazer estético da arte.
QUESTÃO 2
Considere as seguintes afirmativas sobre Carolina Maria de Jesus.
I. Carolina Maria de Jesus enfrentou inúmeras dificuldades desde muito jovem, em um Brasil onde a discriminação racial e as desigualdades sociais eram ainda mais intensas.
II. A escritora é considerada uma pioneira da Literatura Marginal no Brasil.
III. “Casa de Alvenaria” é considerada a obra-prima de Carolina Maria de Jesus.
Das afirmativas acima, estão corretas apenas
(A) I e II.
(B) I e III.
(C) II e III.
(D) todas elas.
Leia o seguinte trecho de “Quarto de despejo” para responder às três próximas questões.
12 de junho
Eu deixei o leito as 3 da manha porque quando a gente perde o sono começa pensar nas miserias que nos rodeia. (..) Deixei o leito para escrever. Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades. (…) É preciso criar este ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela.
Fiz o café e fui carregar agua. Olhei o céu, a estrela Dalva já estava no céu. Como é horrivel pisar na lama.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10 ed. São Paulo: Ática, 2014, p. 58.
QUESTÃO 3
De acordo com o texto, o que motiva a narradora a escrever?
QUESTÃO 4
Conforme o texto, qual é o papel da fantasia para a narradora?
QUESTÃO 5
São recorrentes na escrita de Carolina Maria de Jesus desvios da norma culta da língua portuguesa. Por que isso acontece e, em sua opinião, o que a linguagem empregada pela autora sugere sobre o seu legado para a Literatura Marginal?
Autoria: | Marlon Santos |
Formação: | Letras – Português |
Componente curricular: | Língua Portuguesa |
Habilidades estruturantes: | (EF69LP44-B) Reconhecer, em textos literários, formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades, sociedades e culturas, considerando a autoria e o contexto social e histórico de sua produção. (EF69LP49-A) Mostrar-se interessado e envolvido pela leitura de livros de literatura e por outras produções culturais do campo, apoiando-se nas marcas linguísticas, em seu conhecimento sobre os gêneros e a temática e nas orientações dadas pelo professor. |
Referências: | Documento Curricular para Goiás (DC-GO). Goiânia/GO: CONSED/ UNDIME Goiás, 2018. Disponível em: <https://cee.go.gov.br> Acesso em: 01, set. 2023 GOIÂNIA. Secretaria Municipal de Educação. Aprender Sempre. 6° ao 9º ano – Ensino Fundamental; Língua Portuguesa; 4° Bimestre; Goiânia, 2024. JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10 ed. São Paulo: Ática, 2014. |