Olá! Esta aula de Língua Portuguesa é destinada a educandos da 7ª Série da Eaja.
A aula de hoje abordará o gênero conto, com seus elementos mais essenciais, como narrador, personagens, tempo e lugar. Selecionamos o conto Ninho de Periquitos de Hugo de Carvalho Ramos, pelo simbolismo com o verde do nosso estado, e para um sinal de alerta para a preservação do nosso maior tesouro, o cerrado.
Assista a videoaula abaixo, com a temática – Língua Portuguesa – Ninho de Periquitos, uma tradição de vida e morte.
Ninho de Periquitos, uma tradição de vida e morte
Hoje, iremos estudar a estrutura narrativa do conto goiano, destacamos o renomado escritor Hugo De Carvalho Ramos com sua seleta de contos publicados em uma única obra: Tropas e boiadas, recentemente completou cem anos de publicação, no entanto o autor ainda continua desconhecido pela maioria dos brasileiros.
Hugo de Carvalho Ramos morreu prematuramente aos 26 seis anos e sua literatura foi marcada pelo regionalismo goiano, contemplando o espaço rural e apontando o sertanejo como um herói em meio a dureza do campo, em meio da hostilidade climática do cerrado. O referenciado autor faz relatos em tom confidente, colocando o sertão goiano como cenário de histórias rústicas, expondo feitos e façanhas de um povo tropeiro ou mesmo singelo em suas roças e roçados.
O tom narrativo de suas estórias recortam os mesmo elementos do conto tradicional, como espaço, tempo, personagens e claro o narrador, muitas vezes observador ocupado com as regras da vida rural na representação de algo perpetuado pelo mundo agrícola, revela o estático e o conservador: coronelismo, que penaliza um grupo social sertanejo, distante do estado de ânimo de uma sociedade urbana, que experimenta um momento histórico transitório.
Como ilustração da aula vamos conhecer o conto: Ninho de Periquitos, de caráter insólito e surreal mostra a relação sutil entre pai e filho. O pai é um homem rude, um sertanejo de muito trabalho, um agricultor que reconhece o tempo e o cerrado como sua alma; o filho é um menino singular na véspera de seu aniversário solicita como presente um casal de periquitos. A marcação da história entra em um ritmo alucinante, quando além dos periquitos outro animal do cerrado entra em cena. Conheça agora em sua totalidade o intrigante conto:
Ninho de periquitos – Reportagem foi publicada em sábado 30 agosto 2014, às 10:34, no Jornal Opção por Walacy Neto – Edição de número 2043
Ninho de periquitos – Hugo de Carvalho Ramos
Abrandando a canícula pelo virar da tarde, Domingos abandonou a rede de embira onde se entretinha arranhando uns respontos na viola, após farta cuia de jacuba de farinha de milho e rapadura que bebera em silêncio, às largas colheradas, e saiu ao terreiro, onde demorou a afiar numa pedra piçarra o corte da foice.
Era pelo domingo, vésperas quase da colheita. O milharal estendia-se além, na baixada das velhas terras devolutas, amarelecido já pela quebra, que realizara dias antes, e o veranico, que andava duro na quinzena.
Enquanto amolava o ferro, no propósito de ir picar uns galhos de coivara no fundo do plantio para o fogo da cozinha, o Janjão rondava em torno, rebolando na terra, olho aguçado para o trabalho paterno: não se esquecesse, o papá, dos filhotes de periquitos, que ficavam lá no fundo do grotão, entre as macegas espinhosas de malícia, num cupim velho do pé da maria-preta. Não esquecesse…
O roceiro andou lá pelos fundos da roça, a colher uns pepinos temporões; foi ao paiol de palha d’arroz, mais uma vez avaliando com a vista se possuía capacidade precisa para a rica colheita do ano; e, tendo ajuntado os gravetos e uns cernes da coivara, amarrava o feixe e ia já a recolher caminho de casa, quando se lembrou do pedido do pequeno. Ora, deixassem lá em paz os passarinhos.
Mas aquele dia assentava o Janjão a sua primeira dezena tristonha de anos; e pois, não valia por tão pouco amuá-lo.
O caipira pousou a braçada de lenha encostada à cerca do roçado; passou a perna por cima, e pulando do outro lado, as alpercatas de couro cru a pisar forte o espinharal ressequido que estralejava, entranhou-se pelo grotão — nesses dias sem pinga d’água — galgou a barroca fronteira e endireitou rumo da maria-preta, que abria ao mormaço crepuscular da tarde a galharada esguia, toda tostada desde a época da queima pelas lufadas de fogo que subiam da malhada.
Ali mesmo, na bifurcação do tronco, assentada sobre a forquilha da árvore, à altura do peito, escancarava a boca negra para o nascente a casa abandonada dos cupins, onde um casal de periquitos fizera ninho essa estação.
O lavrador alçou com cautela a destra calosa, rebuscando lá por dentro os dois borrachos. Mas tirou-a num repente, surpreendido. É que uma picadela incisiva, dolorosa, rasgara-lhe por dois pontos, vivamente, a palma da mão.
E, enquanto olhava admirado, uma cabeça disforme, oblonga, encimada a testa duma cruz, aparecia à aberta do cupinzeiro, fitando-lhe, persistentes, os olhinhos redondos, onde uma chispa má luzia, malignamente…
O matuto sentiu uma frialdade mortuária percorrendo-o ao longo da espinha. Era uma urutu, a terrível urutu do sertão, para a qual a mezinha doméstica nem a dos campos possuíam salvação.
Perdido… completamente perdido…
O réptil, mostrando a língua bífida, chispando as pupilas em cólera, a fitá-lo ameaçador, preparava-se para novo ataque ao importuno que viera arrancá-lo da sesta; e o caboclo, voltando a si do estupor, num gesto instintivo, sacou da bainha o largo jacaré inseparável, amputando-lhe a cabeça dum golpe certeiro.
Então, sem vacilar, num movimento ainda mais brusco, apoiando a mão molesta à casca carunchosa da árvore, decepou-a noutro golpe, cerce quase à juntura do pulso.
E enrolando o punho mutilado na camisola de algodão, que foi rasgando entre dentes, saiu do cerrado, calcando duro, sobranceiro e altivo, rumo de casa, como um deus selvagem e triunfante apontando da mata companheira, mas assassina, mas perfidamente traiçoeira…
Disponível em: <https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/ninho-de-periquitos-13909/>. Acessado em: 24 de Setembro de 2012.
O conto acima aponta de forma autêntica um vocabulário passadista, em palavras como caipira, jacuba, cuia, cupinzeiro, roceiro, roça, paiol, coivara e tantas outras. Estas palavras refinam a história e elevam a narrativa de forma regionalista, centraliza sua ideia principal a essência do povo goiano, muitos especialistas dizem rever nesta história um atraso cultural, outros comentam que sua fonte vocabular inspirou os romances de Guimarães Rosa, no entanto a grandiosa verdade é narrativa, é a ficção ter singularidade do campo como inspiração.
O momento ápice da história é o seu desfecho, contundente e inesperado, coloca o homem simples como guerreiro e com tentativa de sobrevivência cortou a própria mão, seguindo firme pelo cerrado o protagonista retorna para casa, o espaço da simplicidade, o tempo do sertão goiano que nunca se repete, porém se refaz a cada estação do ano.
Atividades
Questão 1 – O conto regionalista de Hugo de Carvalho Ramos, vai além do tradicionalismo, percorre os espaços mais simples do sertão goiano. Você conhece lugares assim? Cite aqui, algumas fazendas ou sítios que você já visitou e qual região de Goiás eles pertencem?
Questão 2 – Ninho de periquitos é um marco da literatura goiana, a obra é tida como a primeira formadora de uma tradição literária goiana, em que a fauna e a flora do cerrado são colocados como cenário. Faça um pequeno vocabulário das palavras que fazem relação com a biodiversidade do cerrado e que estão presentes nesta história.
Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento: | (EAJALP0661) Avaliar e recontar contos da tradição oral em primeira e em terceira pessoas. (EAJALP0751) Planejar e apresentar cenas curtas dramáticas. (EAJALP0753) Planejar e contar contos da tradição oral. (EAJALP0754) Avaliar e recontar as apresentações de textos da tradição oral. |
Referências: | Hugo de Carvalho Ramos recita “Ninho de Periquitos”. Site “Jornal Opção”. Disponível em:https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/ninho-de-periquitos-13909/acessado em 24/09/2021 |