Olá, estudante! Esta videoaula de Língua Portuguesa para o 7º ano do Ensino Fundamental foi veiculada na TV no dia 28/09/2021 (terça-feira). Aqui no Portal Conexão Escola, ela está disponível juntamente com a proposta de atividade.
O conto é um gênero que surgiu na tradição popular, pela oralidade, e foi sendo solidificado no decorrer dos séculos. Cada povo tem uma maneira particular de contar histórias de sua gente. Isso é importante para que a cultura de uma região seja eternizada por meio de grandes narrativas. Neste estudo, você terá a oportunidade de ler um conto goiano e realizar análises sobre ele. Bons estudos!
Assista à videoaula do professor Marlon Santos com esta temática.
Nesta aula, você terá a oportunidade de ler um conto goiano, isto é, escrito por um autor do nosso estado, promovendo um pouco mais da nossa herança cultural. A partir da leitura, procure refletir sobre o assunto do texto, suas características e onde ele circula.
Leia, a seguir, uma breve biografia sobre o escritor Hugo de Carvalho Ramos. Na sequência, você lerá um conto desse autor.
Hugo de Carvalho Ramos nasceu em 21 de maio de 1895, em Vila Boa de Goiás, que hoje recebe o nome de Cidade de Goiás. Ele iniciou seus estudos na cidade natal e depois foi para o Rio de Janeiro, onde, em 1916, matriculou-se na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais. Em 1917, publicou o livro de contos chamado “Tropas e Boiadas”, que até hoje permanece como uma das obras goianas mais festejadas e estudadas nas faculdades e escolas. Em 1921, aos 25 anos de idade, faleceu na cidade do Rio de Janeiro.
Leia, agora, o conto a seguir:
Ninho de periquitos
Abrandando a canícula pelo virar da tarde, Domingos abandonou a rede de embira onde se entretinha arranhando uns respontos na viola, após farta cuia de jacuba de farinha de milho e rapadura que bebera em silêncio, às largas colheradas, e saiu ao terreiro, onde demorou a afiar numa pedra piçarra o corte da foice.
Era pelo domingo, vésperas quase da colheita. O milharal estendia-se além, na baixada das velhas terras devolutas, amarelecido já pela quebra, que realizara dias antes, e o veranico, que andava duro na quinzena.
Enquanto amolava o ferro, no propósito de ir picar uns galhos de coivara no fundo do plantio para o fogo da cozinha, o Janjão rondava em torno, rebolando na terra, olho aguçado para o trabalho paterno: não se esquecesse, o papá, dos filhotes de periquitos, que ficavam lá no fundo do grotão, entre as macegas espinhosas de malícia, num cupim velho do pé da maria-preta. Não esquecesse…
O roceiro andou lá pelos fundos da roça, a colher uns pepinos temporões; foi ao paiol de palha d’arroz, mais uma vez avaliando com a vista se possuía capacidade precisa para a rica colheita do ano; e, tendo ajuntado os gravetos e uns cernes da coivara, amarrava o feixe e ia já a recolher caminho de casa, quando se lembrou do pedido do pequeno. Ora, deixassem lá em paz os passarinhos.
Mas aquele dia assentava o Janjão a sua primeira dezena tristonha de anos; e pois, não valia por tão pouco amuá-lo.
O caipira pousou a braçada de lenha encostada à cerca do roçado; passou a perna por cima, e pulando do outro lado, as alpercatas de couro cru a pisar forte o espinharal ressequido que estralejava, entranhou-se pelo grotão — nesses dias sem pinga d’água — galgou a barroca fronteira e endireitou rumo da maria-preta, que abria ao mormaço crepuscular da tarde a galharada esguia, toda tostada desde a época da queima pelas lufadas de fogo que subiam da malhada.
Ali mesmo, na bifurcação do tronco, assentada sobre a forquilha da árvore, à altura do peito, escancarava a boca negra para o nascente a casa abandonada dos cupins, onde um casal de periquitos fizera ninho essa estação.
O lavrador alçou com cautela a destra calosa, rebuscando lá por dentro os dois borrachos. Mas tirou-a num repente, surpreendido. É que uma picadela incisiva, dolorosa, rasgara-lhe por dois pontos, vivamente, a palma da mão.
E, enquanto olhava admirado, uma cabeça disforme, oblonga, encimada a testa duma cruz, aparecia à aberta do cupinzeiro, fitando-lhe, persistentes, os olhinhos redondos, onde uma chispa má luzia, malignamente…
O matuto sentiu uma frialdade mortuária percorrendo-o ao longo da espinha. Era uma urutu, a terrível urutu do sertão, para a qual a mezinha doméstica nem a dos campos possuíam salvação.
Perdido… completamente perdido…
O réptil, mostrando a língua bífida, chispando as pupilas em cólera, a fitá-lo ameaçador, preparava-se para novo ataque ao importuno que viera arrancá-lo da sesta; e o caboclo, voltando a si do estupor, num gesto instintivo, sacou da bainha o largo jacaré inseparável, amputando-lhe a cabeça dum golpe certeiro.
Então, sem vacilar, num movimento ainda mais brusco, apoiando a mão molesta à casca carunchosa da árvore, decepou-a noutro golpe, cerce quase à juntura do pulso. E enrolando o punho mutilado na camisola de algodão, que foi rasgando entre dentes, saiu do cerrado, calcando duro, sobranceiro e altivo, rumo de casa, como um deus selvagem e triunfante apontando da mata companheira, mas assassina, mas perfidamente traiçoeira…
RAMOS, Hugo de Carvalho. Tropas e boiadas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1965.
Agora que você acabou de ler esse conto de Hugo de Carvalho Ramos, pense nas seguintes questões:
- Quem são os personagens dessa história, onde e como eles vivem?
- Em que momento nasce o conflito da narrativa?
- Qual é a parte de maior tensão nessa narrativa?
- Como a narrativa se resolve, isto é, qual é seu desfecho?
- O que esse conto revela sobre o sertanejo?
- Por que o título do conto é Ninho de Periquitos, sendo que a ação gira em torno do personagem Domingos?
- Quais reflexões você consegue fazer sobre essa história?
- Você deve ter percebido que há vários sinais de pontuação no texto, como a vírgula ( , ), o ponto e vírgula ( ; ), o travessão ( – ), as reticências ( … ). Observe que o emprego deles reflete na entonação que o leitor atribui ao texto.
Neste conto, temos como personagens o lavrador Domingos e seu filho, identificado como Janjão. Esse nome faz referência a uma pessoa atrapalhada, desengonçada, devagar. Assim, de acordo com o texto, percebe-se que o garoto, que já completava dez anos naquele dia (“Mas aquele dia assentava o Janjão a sua primeira dezena tristonha de anos; e pois, não valia por tão pouco amuá-lo”), ainda não dava conta de auxiliar o pai nas prendas diárias. Provavelmente, naquele tempo, há cerca de 100 anos atrás, era comum que as crianças trabalhassem na roça, com seus pais, desde cedo… mas, até então, o garoto dessa história não. É perceptível que eles vivem no campo, na zona rural, pois há um milharal além do quintal da casa. Naquela tarde de domingo, perto do horário do sol se pôr, o pai iria buscar madeira para usar no fogão a lenha da cozinha.
Como naquele domingo o menino fazia aniversário, seu pai achou de bom tom agradar o filho realizando seu pedido: pegar o ninho de periquitos que estava no grotão, ou seja, numa parte com um buraco mais largo e bastante mato em um terreno. Contudo, na parte de maior tensão da narrativa, temos o pai sendo picado por uma cobra, uma urutu do sertão, ao pegar o ninho de periquitos em uma forquilha da árvore (a forquilha é um galho da árvore em formato de Y, um lugar propenso para ninhos serem formados).
Você sabia que a urutu é uma cobra que possui o veneno mais tóxico dentre as jararacas? Ou seja, seu veneno é altamente letal. Por isso que, uma pessoa ao ser picada por essa cobra em um lugar de difícil acesso, para sobreviver, pode encontrar uma chance na amputação do membro picado.
O personagem Domingos, em pouquíssimo tempo, teve a coragem para matar a cobra em um golpe certeiro e amputar sua mão para não morrer pela picada da cobra. Esse é o desfecho da história, que, dentre tantas coisas, mostra a força do sertanejo que não teve dúvida ou medo antes de tomar a decisão difícil de cortar sua mão. Nem todo mundo teria essa coragem, não é verdade?
O conto recebe o nome de “Ninho de periquitos” porque o que motiva toda a ação dramática da história é justamente o pedido do filho ao pai. Provavelmente, se ele não tivesse feito esse pedido, o pai não teria sido picado. Contudo, se esses fatos não tivessem ocorrido na narrativa, não teríamos uma história tão impactante como essa, que contribui para o acervo cultural do povo goiano.
Este conto de Hugo de Carvalho Ramos contribui para a expressão artística do povo goiano. Pode-se perceber, a partir dele, a coragem do homem do campo, do sertão goiano, frente aos desafios impostos em sua vida, além da importância da sabedoria popular no cotidiano das pessoas.
No texto, alguns sinais de pontuação estão sendo utilizados para promover, além de uma leitura com as pausas nos momentos mais apropriados, alguns efeitos. Por exemplo, o emprego das reticências ( … ), para intensificar uma grande emoção, um sentimento ou sensação que ainda não tem nome como no trecho “Perdido… completamente perdido…”. Perceba que ao ler essa parte, sua entonação deve sugerir essa sensação, por isso a pausa é mais longa e a entonação mais branda.
Atividade
Nesta aula, você leu e refletiu sobre o conto “Ninho de periquitos”, de Hugo de Carvalho Ramos. Além de analisar as partes da narrativa e os efeitos que ela produz, você percebeu a importância de observar a pontuação do texto para lê-lo com uma entonação mais próxima daquela dada pelo autor durante a produção ou, também, para dar mais ênfase durante sua leitura. Dessa forma, pratique sua leitura autônoma realizando a leitura desse conto para outras pessoas de sua casa. Depois, converse com essas pessoas sobre a narrativa lida, a partir da análise dessa aula.
Habilidade estruturante: | (EF67LP28-A) Ler, de forma autônoma, peças teatrais, crônicas críticas, romances infanto-juvenis, contos de suspense, contos de esperteza, contos do folclore goiano, entre outros, levando em conta suportes e características. |
Referências: | RAMOS, Hugo de Carvalho. Tropas e boiadas. 5 ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1965. https://radiobandeirantesgoiania.com.br/morte-do-escritor-goiano-hugo-de-carvalho-ramos-completa-100-anos-em-2021/ |
Professor, essa aula segue a Matriz Curricular das Habilidades Estruturantes 2021-2021. Foi elaborada no ano de 2020, com a suspensão das aulas presenciais devido à pandemia da Covid-19 e segue as orientações de flexibilização curricular para o biênio 2020/2021 (Ofício Circular 147/2020 Dirped).